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Conjugações

Posted by RcZem

Quem é tempo? 
É sopro, bálsamo, contentamento 
É sempre, é nunca. É quando? 
É presente. Quem fui tempo? 
Fui dor, fui lágrimas, tormento 
Fui antes de ser curado. 
Fui passado. 
Quem é você tempo?! 
Sou tudo, o pouco, o muito. Os dois. 
Sou o antes e o depois. Sou a possibilidade do futuro.

Vida de marola

Posted by RcZem




A água da maré alta já molhava-lhe os pés, mas ele nem pensava em sair dali. Só o sopro da maresia secava-lhe as lágrimas de descontentamento de uma vida inteira de naufrágios. A areia aconchegava seu peso, que era mais de consciência e medo do que outra coisa.
Não conseguia abrir os olhos, pois mesmo que fosse outono, o Sol incidia sobre seu rosto multifacetando seus contornos de pedra bruta. Não se sabe ao certo que horas eram, o tempo ali tinha vestido-se de coadjuvante. Os pensamentos acompanhavam o movimento do mar, hora calmos, hora revoltos. O mar estava bem agitado aquele dia. Nada se ouvia além do silêncio. A dor é muda, muda o tempo todo.

A dois passos não sei de onde.

Posted by RcZem



Sentado no ponto mais alto e olhando a cidade, quase morta, morbidez típica do domingo
Mais insosso estava eu, apático e desgastado
Não me julgava boa companhia, nem eu mesmo me suportava
Queria a meia-luz do meu quanto, o meu silêncio
Queria um off dos meus pensamentos
Queria ar pra fazer os meus pulmões funcionar
Queria um tempo, uma nova era.
Mergulhar até o fundo e emergir renovado.
Abençoado pela graça do esquecimento
Forças mesmo só para reclamar com a ANVISA
Para tirar o amor das prateleiras da vida
Por ser perecível e causar estrago em quem consome
Matei minha fome e hoje agonizo
Tudo o que foi engolido agora quer dar o fora
Amor reduzido, convertido em lágrimas.
E eu? Só o pó!

Agosto, sem gosto.

Posted by RcZem

Estava tão escuro. Um breu denso feito o buraco negro que me consumia por dentro.
Tentava esvaziar minha cabeça repleta de pensamentos que eu nem podia entender.
O maço de cigarro já amassado me fazia companhia. E nem era agradável.
Nem eu queria estar perto de mim.
A verdade é que não sei porque escrevo no passado se a dor que eu sinto, agora, é bem presente.
Quem é que entende?
Nem era agosto e estava bem seco. Tão seco que nem as lágrimas escorriam.
Continuei com a alma suja. De memórias. De medos. De ódio.
A noite fria, escura e seca permaneceria durante o dia. Eu tinha certeza disso.
E essa angústia, esses anseios, me martirizariam até que eu tivesse consciência.
Tive vontade de não ter nenhum dos cinco sentidos. O nada era bem mais aconchegante, tanto quanto se pode ser pra quem se rendeu.
Eu me rendi.
A vida vem em imagens consecutivas e sem nexo a todo momento. Queria eu ter como passá-la a limpo. De onde estou agora só vejo rabiscos.
Tenho ainda receio do castigo. Mil chibatadas no ego.
Orgulho maldito.
Não escolhi ser o protagonista dessa história. Queria contar uma daquelas onde tudo acaba bem. E no fundo eu sei que tudo se resolve, ou não. A gente simplesmente aprende a sobreviver com mais um nó na garganta.
Tenho tantas coisas que, por tê-las, agonizo.
Com a luz ainda acesa consigo ver cada objeto, até aqueles mais escondidos. Me pergunto pra que tanta coisa se nada faz sentido. Tolo menino que vai sempre atrás daquilo que é proibido.
Tantas coisas foram a mim interditadas.
Não ultrapasse a linha. Tão tênue.
Quantas palavras e nenhum caminho.

Marcador de páginas

Posted by RcZem

Quem vai ler minhas páginas?
Em branco, amassadas, ainda só rascunhos do peso que carrego sobre as costas
Prefiro debruçar sobre o livro fechado e marcar a página onde escrevi seu nome
Entender o que eu digo exige a parcimônia dos apaixonados, não é para qualquer um
Entender seria o mesmo que entregar-se e isso exigiria que um novo capítulo fosse escrito
Mas o tinteiro está quase vazio. E a pena?
Só de mim mesmo, dessa ríspida insistência em amar.
O passado ficou amarelado te tanto que foi revisado na busca incessante de se encontrar o verso exato que define o erro.
Insistir nisso tem me feito trapo sujo de tirar pó da prateleira onde seu inalcançável exemplar permanece intocável.
Queria apenas a reciprocidade de leves e inconseqüentes atos.
Sutilezas dos amantes sem pudores
Que fazem festa de qualquer momento bobo ou engraçado
Anseio por assistir em preto e branco nossas cores
Enquanto você engaveta meus sonhos sem pecado
Rabisque em meu corpo suas dúvidas mesmo que eu permaneça sozinho ainda que acompanhado.
De joelhos sobre piso que um dia engolirá meu corpo
Transformando minha vida em um mausoléu onde será guardado todas as obras inacabadas
Orando pelos pobres poetas apaixonados que traduziram em versos suas dores.
Vítimas ímpares desse bárbaro
O amor.

Amar é desperdício

Posted by RcZem


Se eu te encontrasse dia desses
De manhazinha quando o Sol desponta
Veria na tua face alva e redonda
Os devaneios que me perseguem feito sombra.
Pensaria eu que amar é desperdício
É coágulo nas veias de quem insiste nisso
Posto que teu encanto conjurou-se vício
Pago as penas dessa abstinência e sigo.
Num caminho tão estreito que só mesmo eu caibo
Sem espaço pra mãos dadas nem abraços.
A passos lentos carrego meu corpo estilhaçado
Segurando na garganta uma nota de solidão.
E se meu peito permanece machucado
Ainda há o vento que sopra os estilhaços
Pro fim desse horizonte onde um dia te encontrei.
Nascendo como o Sol onipotente
Larguei ali suas mãos quentes
E no frio do teu silêncio congelei.

Do que tens fome?

Posted by RcZem


Ele chorava num riso tímido toda a utopia que guardava em si
Sempre na paranóia de uma Seleção Natural. Todos eram vistos como predadores.
So ele não percebia o quanto devorava de si mesmo.
Auto-canibalismo.
Seus dias eram ritualísticos. Eram os mesmos caminhos para não se perder. Sempre achava que o próximo passo poderia ser o abismo.
E quase sempre era mesmo.
Logo percebeu que se jogar neles era menos penoso do que buscar formas de desviá-los.
Assumia então uma apatia considerável, preferiu calar-se
Pobrezinho... não podia sentir o amor.
Mentira! Ele só não sabia o que é ser amado.
Amar ele sabia. Sabia tanto que, por isso, se detestava.
Tornou-se amorfóbico.
Foi a sua forma de manter-se vivo. No sentido menos literal da palavra
Odiar-se era a única forma de manter-se assim, afinal a dor é mais aliviante que o nada
Internou-se no seu mundinho por conta própria. Ele mesmo fizera seu diagnóstico:
Paranóico, auto-destrutivo, obsessivo, fóbico... e dentre tantas patologias descobriu que a mais grave e fatal delas era ser ele mesmo, era ser...
Humano.