Refrões de Bolero

Logo de manha desligar o despertador mesmo contra vontade. Mal acordei e já me deparo com o mundo se mostrando contra mim. Não, nunca será do jeito que eu quero.
Sofrida caminhada até o trabalho e na cabeça só a extensa rotina que vem pela frente. Enquanto a água do café esquenta eu arrumo gavetas, como se tentasse arrumar tudo aquilo que aqui dentro encontra-se em caos.
O café desce amargo, nada de açúcar ou aspartame. Preciso recuperar aquelas roupas perdidas. Quantas coisas perdidas...
Desliguei o ar condicionado e resolvi abrir a janela e agora sinto uma brisa fresca me arrepiando a nuca, atiçando meus desejos de quimera.
Paro e leio em voz alto o que escrevi. Percebo o tom angustiante que tenho dado aos meus dias. Talvez não precisasse ser assim...

No quarto envolto pela escuridão da noite a luz do abajur ilumina o poeta solitário. As paredes ainda estão quentes da tarde escaldante e os lençóis estão impregnados com o cheiro do cigarro que agora adormece em cinzas. O som que embala é regido pelo ventilador enguiçado que na verdade faz mais barulho do que refresca. Não há muito o que se pensar sobre o dia, que foi tão comum quanto as videocassetadas de domingo.
O que resta agora é soltar a pesada carcaça sobre a cama e esperar que o sono venha, mas algo me diz que ele vai demorar.
O amanhã é ansiosamente aguardado. Tudo já está metodicamente separado, o despertador ajustado, as roupas passadas e o ânimo ainda na gaveta. Provavelmente ele permaneça por lá.
Mas o novo dia vem, querendo ou não, então espada e escudo na mão que a batalha vai re-começar.
Mil promessas de mudanças vêm de encontro ao início da semana e o futuro esperado repousa no travesseiro. Mas ninguém garante que o futuro será tão macio o quanto.
Em cada canto do cômodo há fantasmas que observam atentos a amarga solidão de quem escreve.
E antes que a noite acabe uma última surpresa: o sono chegou mais rápido do que esperava. Talvez o dia não tenha sido tão monótono assim afinal.

Nunca disse que ia ser fácil, que só haveriam raios de sol sobre nós
Por vezes minha nebulosidade talvez tornasse nossos dias mais escuros, mas se estivéssemos juntos haveria pelo menos a possibilidade de um novo nascente
Nunca disse que seria perfeito, que só haveriam sorrisos
Não disse que só falaria palavras bonitas, porque às vezes o coração aperta e o que resta é só um emaranhado de sentimentos mal resolvidos
Nunca disse que seria o melhor, o mais simpático, o mais compreensivo
Não posso assumir um perfeccionismo que não é meu
Assumo todos os meus roupantes de fúria, de egoísmo, possessividade, desconfiança
Mas o que posso fazer se pra mim você era a minha criança
E nos meus sonhos seria eu que cuidaria de você.
Talvez eu não seja mesmo tudo aquilo que você esperava
Mas permita que eu segure tua mão enquanto caminhamos por essa longa estrada
De conhecimento, de crescimento, de superação
Me entrega então a doçura dos seus poucos anos, tracemos juntos nossos planos
Me deixe ser dono do seu coração
Porque se o futuro a Deus pertence, vivamos então o presente.
Porque esse está ao nosso alcance.
Talvez tenha atropelado o tempo, impulsionado pela força dos sentimentos que faziam orquestra no meu peito.
Posso não ser a pessoa certa, mas serei a pessoa errada mais comprometida em te fazer feliz.

Devolva-me
O que é meu por direito
Não quero nada que seja seu, somente aquilo que me pertence
Soprarei ao vento as cinzas de tudo que restou entre nós
Sentimentos são como brasas que podem reacender a qualquer momento, porem nosso fogo nunca mais será o mesmo, então apague.
As suas marcas ainda estão aqui, emaranhadas em todos os vestígios que você deixou
Mas marcas não são eternas, ou talvez sejam... porem pra isso existem os curativos
Me curo me perdendo nos lençóis de outras camas, derramando meu suor sob outros corpos e arrepiando com os gemidos no meus ouvidos
È assim que me sinto bem, essa é minha morfina
Se for esperto já deve ter percebido que não te esqueci, se não não estaria aqui perdendo meu nada precioso tempo escrevendo pra você.
Mas é isso que eu quero que você pense, que eu te odeio, ou melhor que sou indiferente a você! Que não sinto sua falta, que já não te desejo... por favor pelo menos finja que acredita.
Porque eu estou seguindo assim, fingindo.
Artificial, incolor, inodoro, insípido...

Hoje quero fugir de mim mesmo, de um mundo que me sufoca, de regras que não criei, de expectativas que alimentei
Quero fugir dos sonhos, dos amores, dos desafetos, da mentira, minha própria mentira...
Quero estar ausente por um momento e olhar tudo de longe, ver o meu reflexo, ver o mundo sem que o mundo me veja
Quero quebrar com a rotina, esquecer que existe uma vida que depende de mim pra ser mantida.
Quero chorar lágrimas escondidas e esconder os sorrisos aparentes, aqueles que já se mostram meio amarelados, opacos, sem brilho, sem ser de fato sorriso.
Só por hoje quero que o mundo sinta minha falta, que chorem a minha ausência e clamem pela minha volta. Mas não sei se volto...
Sozinho.
Não quero ser só mais um no mundo, não quero ser alguém que vive longe de si mesmo. Será vida?
Quero hoje me preservar no escuro, analisar os meus medos por um buraco no muro que me permita vivenciá-los, mas que ao mesmo tempo me proteja.
Quero um dia só pra mim, um dia quem sabe como esse assim em que tudo parece estagnado no mesmo lugar.
Mas se o mundo não me engole, sou obrigado a engolir o mundo e depois vomita-lo ao meu bel-prazer. Mudando o que eu quero, do jeito que eu quero, a minha imagem e semelhança...
Egocêntrico.
Quero sentir que já não há esperança, mas uma realidade concreta, palpável e fria.
Quero hoje que o mundo se exploda e que dessa vez eu possa ir junto voando pelo universo em mil pedacinhos. Quem sabe assim não me encontro e um dia desses ate mesmo me monto de acordo com o que pede a vida.