Refrões de Bolero

Podemos ser tudo, se quisermos.
Desde que eu não precise ser mera extensão fálica de você.
Nossos desejos seguem polaridades opostas, correndo o risco de se anularem no encontro.
Sendo assim, melhor não derrubarmos esse muro de Berlin que conserva nossa individualidade.
Seguiremos sem culpas ou banalidades. Cada um que se vire com suas chagas.
Nada de sopro aliviante.
Conservaremos os arrepios e os sussurros trêmulos que se esvaem no silêncio do quarto, como expressão perfeita do gozo.
Amantes inconseqüentes, sem fundamentos.
Foda-se o amor e seus pesares.
Doravante, somente minha frigidez poética e mais arrepios e gemidos declarantes.

Eu estava estacionado na última vaga destinada aos desiludidos.
Não havia brisa, nem fortes ventanias ao redor. Tudo era perene.
A neblina era o que me protegia. Ninguém me via. Eu estava em paz.
Descansando em paz.
Não tremia os sexos, não causava arrepios, não criava expectativas.
Estava num momento socialmente aceito. Não haviam do que me condenar.
Mas... E sempre existe um “mas” que perturba a tranqüilidade da mesmice.
Mas você apareceu.
Não tocou a campanhinha, não limpou os pés antes de entrar, nem se deu ao luxo de tirar os sapatos. Simplesmente jogou todo seu peso sobre minha vida e aconchegou seu corpo no pouco de lucidez que ainda restava em mim, roubando-a portanto.
O destino deve ser mesmo uma criança travessa que adora pregar peças na gente, ou um próprio coitado que sempre assume a culpa de tudo calado. Não tem quem culpar, pois bem... a culpa é do pobre do destino.
Pronto. Já me sinto mais aliviado.
Eu tentei trancar as portas, mas parecia que você tinha as chaves do cadeado.
Não que você quisesse deveras estar ali, muito pelo contrário, sempre insistia em partir.
Porém meu lado masoquista é o que te prendia aqui.
Sim, porque se depois de tantos desencantos e palmadas de realidade na cara ainda não desisti, é sinal de que pelo menos a dor me serve de alguma coisa.
Talvez eu prefira a dor do que a ausência.
Imaginar como seria daqui pra frente sem você é retroceder, voltar à vaga dos desiludidos, correndo o risco de já encontrá-la ocupada. Não restando absolutamente nada.
Por isso tenho insistido na sua permanência, ainda que recheada de atritos.
Não sei disfarçar sentimentos, faço exatamente o contrário disso, exagerando no tempero e nos condimentos, deixando tudo forte demais para o seu paladar aguçado.
Me sinto uma eterna hipérbole nos meus relacionamentos.
E você meu caro, insiste no eufemismo.

De mãos dadas ainda caminhávamos pela terra molhada da chuva da noite anterior.
Os pingos marcados ao lado dos bem delineados passos me lembravam as lágrimas que caíram quando os seus passos tomaram outra direção.
E sem você pra me guiar acabei sem rumo. Não. Não era você que estava ali segurando minha mão.
De você só mesmo a amarga lembrança das gotas de lágrima no chão.
Nem ninguém pra deitar na grama e inventar desenho nas nuvens...
Nem ninguém pra contar os vagões coloridos do trem...
Ninguém.
De você meu caro, só esse aperto, que não é de mão, nem de abraço, é só angústia mesmo.
Os desejos, aqueles outrora tão cheios de arrepios adormecem num sono profundo de frigidez.
E faz tanto frio...
Mas o frio me faz lembrar o sorvete de palito que a gente comprava e sempre gargalhava quando eu adivinhava exatamente o sabor que você queria.
Já não há nuvens, nem vagões, nem arrepios, nem mesmo o sorvete.
As lagrimas sim. Mas não mais aquelas tão freqüentes e salgadas. Só uma ou outra de vez em quando pra molhar o travesseiro com nada suaves lembranças.
Mas a noite sempre termina. Nos cantos da casa ainda alguns fantasmas carregados daquilo que você deixou pra trás.
Nem em fantasmas eu acredito mais...
Quem dirá em você... quem dirá no amor.

E como dizer não a essa força que me domina?
se na verdade é ela que me identifica, me torna real.
E por que deveria fugir?
Simplesmente por que me intriga, porque é ela que me domina e não o contrario.
É estranho não se dar conta de si mesmo e se sentir suscetível a tudo, abalável por todos, um ser frágil, inseguro, como a bailarina que oscila de um lado para o outro na corda bamba enquanto lá embaixo os olhos percorrem seu corpo na expectativa excitante de que ela vai cair.
É assim que me sinto... volúvel.
Alguém instável, traçando um futuro guiado por marcas do passado. Feridas insólitas que ardem ao sol, mas que se escondem no escuro.
Nem sempre há resposta, mas o vazio permanece por lá, clamando pra ser preenchido, pra deixar de ser vazio.
Me encho de tantos sentimentos, uns conhecidos, outros tantos inomináveis, mas que ainda assim existem pelo fato de serem meus.
E eu tento sair por ai distribuindo sorrisos, na busca inconstante de receber um que retribua, que encaixe.
Seriam então sentimentos comprados, pré determinados sempre esperando algo em troca. Mas esse algo nunca vem.
Talvez porque todas as janelas estejam fechadas, talvez porque já não existam chaves, mas só fechaduras.
Então que eu me abra e receba aquilo que tens a me oferecer, que me permita ser regado não por lagrimas salgadas mas pela água cintilante e fria que cai do céu.
Que ela lave todos os meus pecados e alivie os tormentos que tem se tornado pesados demais.
Busco encontrar a reciprocidade de uma alma que me pertença, que eu possa chamar de minha.
Se alguém a encontrar ao virar alguma esquina me chame! Eu vou estar aqui esperando
Por que me sinto sóbrio com esta abstinência e hoje só o que eu queria era poder me embebedar de sentimentos...

Então ele existe.
E no lugar mais impróprio que poderia.
Correndo por suas veias entre um pulsar e outro
Inebriando teu corpo com amargas lembranças.
Então me dê tua mão
Permita-me te puxar para fora dos igarapés do passado que te prendem
Que te aprisionam na masmorra da mesmice
Embaçando suas vistas para os anos que ainda virão.
Não.
Não quero acreditar que seja só isso.
Não quero te resumir a mais um engano.
Com você meu caro só futuro e novos planos
E ventos de outono sobre nós.
Se não há nada que dizer, então cante
Quero apenas ouvir tua voz.
Não pretendo mudar a rotina de repousar meu corpo e tecer palavras finas
Que acalentem teu sono antes de dormir.
Me dê um sinal, nem que seja de fumaça
Convença-me de que não quer me ver partir.
Eu esqueço os pormenores e as palavras ditas em vão
Eu empunho a minha espada e enfrento esse dragão
Que protege a entrada do teu castelo.
Eu ainda estou aqui.
Desistir só mesmo se me pedir
E anda assim será com pesarosa sofreguidão.
Abre os olhos pro horizonte, deixe que os barcos que passaram descansem
E solte sua âncora sobre meu cais.
Eu te protejo desse mundo, faço claro o que ainda for escuro
Só para ter você um pouco mais.

Me usa!
Apalpa minha carne, me faz gemer e some!
Sim, é isso mesmo o que você ouviu.
Não me venha com suas sentimentalidades, não tô pronto pra isso.
Quero seguir assim, sem nada que me impeça de provar de outros corpos.
Engole o choro e me poupe desse drama, simplesmente não vai me convencer.
Não desperdice sua poesia comigo, ela não surte efeito.
Quero orgasmos e desapego. Pronto! Disse tudo que precisava dizer.
Eu avisei para que não se apegasse, não to pra isso.
Meu prazer está em seduzir e descartar e não vejo nada de vil nisso.
Guarde seus carinhos. O que eu queria de você já tive. Uma noite já é tempo demais.
Sim, vamos nos ver novamente, só não venha me cobrar datas. Minha agenda é imprevisível.
Muitos corpos já estiveram deitados no mesmo lugar que você. Sinceramente não sei o que te fez pensar que você seria o último. Não quero parecer mau, mas um riso de desdém me consome quando penso nisso.
Acho bom que se acostume, sentimentalismo me dá náuseas.
E não vai ser você que vai mudar minha opinião a respeito disso.
Preciso ainda dizer que já tive melhores... infelizmente você não soube me saciar.
Chega desse teatrinho. Lágrimas não me comovem, só te deixam ainda menos desejável.
Não me culpe por ser assim. Nunca te prometi o contrário.

Na ânsia maldita de curar essa ferida narcísica vou tomando porre de doses cada vez maiores e menos eficazes.
Essa carência traiçoeira me leva a cometer excessos que por mais literais que sejam nunca preenchem o vazio da alma.
Não há como esperar por aquilo que não se teve. Tudo é desejo e recalque.
Teorias descrevem lindamente os sentimentos, mas não me oferecem suporte.
Quando fecho os olhos tudo é incompletude...

Logo de manha desligar o despertador mesmo contra vontade. Mal acordei e já me deparo com o mundo se mostrando contra mim. Não, nunca será do jeito que eu quero.
Sofrida caminhada até o trabalho e na cabeça só a extensa rotina que vem pela frente. Enquanto a água do café esquenta eu arrumo gavetas, como se tentasse arrumar tudo aquilo que aqui dentro encontra-se em caos.
O café desce amargo, nada de açúcar ou aspartame. Preciso recuperar aquelas roupas perdidas. Quantas coisas perdidas...
Desliguei o ar condicionado e resolvi abrir a janela e agora sinto uma brisa fresca me arrepiando a nuca, atiçando meus desejos de quimera.
Paro e leio em voz alto o que escrevi. Percebo o tom angustiante que tenho dado aos meus dias. Talvez não precisasse ser assim...

No quarto envolto pela escuridão da noite a luz do abajur ilumina o poeta solitário. As paredes ainda estão quentes da tarde escaldante e os lençóis estão impregnados com o cheiro do cigarro que agora adormece em cinzas. O som que embala é regido pelo ventilador enguiçado que na verdade faz mais barulho do que refresca. Não há muito o que se pensar sobre o dia, que foi tão comum quanto as videocassetadas de domingo.
O que resta agora é soltar a pesada carcaça sobre a cama e esperar que o sono venha, mas algo me diz que ele vai demorar.
O amanhã é ansiosamente aguardado. Tudo já está metodicamente separado, o despertador ajustado, as roupas passadas e o ânimo ainda na gaveta. Provavelmente ele permaneça por lá.
Mas o novo dia vem, querendo ou não, então espada e escudo na mão que a batalha vai re-começar.
Mil promessas de mudanças vêm de encontro ao início da semana e o futuro esperado repousa no travesseiro. Mas ninguém garante que o futuro será tão macio o quanto.
Em cada canto do cômodo há fantasmas que observam atentos a amarga solidão de quem escreve.
E antes que a noite acabe uma última surpresa: o sono chegou mais rápido do que esperava. Talvez o dia não tenha sido tão monótono assim afinal.

Nunca disse que ia ser fácil, que só haveriam raios de sol sobre nós
Por vezes minha nebulosidade talvez tornasse nossos dias mais escuros, mas se estivéssemos juntos haveria pelo menos a possibilidade de um novo nascente
Nunca disse que seria perfeito, que só haveriam sorrisos
Não disse que só falaria palavras bonitas, porque às vezes o coração aperta e o que resta é só um emaranhado de sentimentos mal resolvidos
Nunca disse que seria o melhor, o mais simpático, o mais compreensivo
Não posso assumir um perfeccionismo que não é meu
Assumo todos os meus roupantes de fúria, de egoísmo, possessividade, desconfiança
Mas o que posso fazer se pra mim você era a minha criança
E nos meus sonhos seria eu que cuidaria de você.
Talvez eu não seja mesmo tudo aquilo que você esperava
Mas permita que eu segure tua mão enquanto caminhamos por essa longa estrada
De conhecimento, de crescimento, de superação
Me entrega então a doçura dos seus poucos anos, tracemos juntos nossos planos
Me deixe ser dono do seu coração
Porque se o futuro a Deus pertence, vivamos então o presente.
Porque esse está ao nosso alcance.
Talvez tenha atropelado o tempo, impulsionado pela força dos sentimentos que faziam orquestra no meu peito.
Posso não ser a pessoa certa, mas serei a pessoa errada mais comprometida em te fazer feliz.

Devolva-me
O que é meu por direito
Não quero nada que seja seu, somente aquilo que me pertence
Soprarei ao vento as cinzas de tudo que restou entre nós
Sentimentos são como brasas que podem reacender a qualquer momento, porem nosso fogo nunca mais será o mesmo, então apague.
As suas marcas ainda estão aqui, emaranhadas em todos os vestígios que você deixou
Mas marcas não são eternas, ou talvez sejam... porem pra isso existem os curativos
Me curo me perdendo nos lençóis de outras camas, derramando meu suor sob outros corpos e arrepiando com os gemidos no meus ouvidos
È assim que me sinto bem, essa é minha morfina
Se for esperto já deve ter percebido que não te esqueci, se não não estaria aqui perdendo meu nada precioso tempo escrevendo pra você.
Mas é isso que eu quero que você pense, que eu te odeio, ou melhor que sou indiferente a você! Que não sinto sua falta, que já não te desejo... por favor pelo menos finja que acredita.
Porque eu estou seguindo assim, fingindo.
Artificial, incolor, inodoro, insípido...

Hoje quero fugir de mim mesmo, de um mundo que me sufoca, de regras que não criei, de expectativas que alimentei
Quero fugir dos sonhos, dos amores, dos desafetos, da mentira, minha própria mentira...
Quero estar ausente por um momento e olhar tudo de longe, ver o meu reflexo, ver o mundo sem que o mundo me veja
Quero quebrar com a rotina, esquecer que existe uma vida que depende de mim pra ser mantida.
Quero chorar lágrimas escondidas e esconder os sorrisos aparentes, aqueles que já se mostram meio amarelados, opacos, sem brilho, sem ser de fato sorriso.
Só por hoje quero que o mundo sinta minha falta, que chorem a minha ausência e clamem pela minha volta. Mas não sei se volto...
Sozinho.
Não quero ser só mais um no mundo, não quero ser alguém que vive longe de si mesmo. Será vida?
Quero hoje me preservar no escuro, analisar os meus medos por um buraco no muro que me permita vivenciá-los, mas que ao mesmo tempo me proteja.
Quero um dia só pra mim, um dia quem sabe como esse assim em que tudo parece estagnado no mesmo lugar.
Mas se o mundo não me engole, sou obrigado a engolir o mundo e depois vomita-lo ao meu bel-prazer. Mudando o que eu quero, do jeito que eu quero, a minha imagem e semelhança...
Egocêntrico.
Quero sentir que já não há esperança, mas uma realidade concreta, palpável e fria.
Quero hoje que o mundo se exploda e que dessa vez eu possa ir junto voando pelo universo em mil pedacinhos. Quem sabe assim não me encontro e um dia desses ate mesmo me monto de acordo com o que pede a vida.